sábado, 25 de julho de 2009

Crônica Lupina

VIRE A PÁGINACrônicasLobo

Aquela página insiste em permanecer, aberta, amarelando-se com o tempo. Sim, esta página, número 21. É percebido que está curioso pela próxima folha, a seguinte. Vejo os seus dedos, suando aquelas gotículas salgadas, cheias de esperança pela mudança da história. Quer saber se tem fim ou não, mas quando chega à última linha, simplesmente retrocede. Começa a analisar tudo o que fez e o que outros co-autores escreveram também. Foram muitas emoções, violências, amores, ardências e sentimentos verdadeiros, com pitadas minuciosas de ironia e sátira. Tudo impresso em cada palavra respingada nela. A cor das letras consoantes, carne e das vogais, sangue, em linhas feitas de suor. De certo, outras páginas, muito mais haviam sido escrito, com menos sangue, menos carne, mais razão, experiência e um pouco de frustração e depressão, também tinha uma moderada alegria madura com letras menos deformadas e juvenis. No entanto a insistência permanecia, vira e mexe, lá estava aquela débil folha aberta, naquele livro grosso de mais de novecentas e tantas páginas, muitas outras nem iniciadas. Existia uma certa tortura “sado” em mantê-la aberta, mofando, apodrecendo. Havia sim, a vontade de modificar algumas palavras, alguns “sims” no lugar dos “nãos”. A troca de algumas lágrimas por sorrisos, mais diálogos doces, menos ácidos. Não tinha jeito, escrito estava. A página estava feita e era passado vivendo presente naquela casa. Pobre! Como uma simples página poderia ser tão perturbadora? Era apenas papel e uma porção de letras combinadas logicamente, dançando em frente aos quase maduros olhos. Outrora, quando esbravejava estrofe por estrofe, parágrafo por parágrafo, este que escrevia junto a outros, não pensava que o número 21 daquele livro seria tão difícil de superar e para os nebulosos pensamentos do escritor principal, aquela página era a chave pra tudo. Por isso da dificuldade de virá-la. Eram anos e mais anos, o mesmo ritual, tomava banho, vestia a roupa velha de dormir, escovava os dentes e pouco antes de se deitar, relia a maldição. Tudo começava numa festa e terminava em lágrimas. A folha além de amarelada pelo tempo tinha uma certa marca de respingos chorados algumas vezes, quase que deformando as letras sangue e carne. Em absoluto, se por ventura alguém lambesse a folha, sentiria um salgado com profundo sabor amargo, repuxado ao rum e menta metal. De fato, ninguém faria isso, as pessoas não suportavam mais ver aquela página aberta por tantos anos, nem alguns co-autores, os que sobraram e ainda continuam participando do livro. Eles não agüentavam ver aquele escritor nostálgico se torturando todos os dias, tentando descobrir algum enigma na velha página. Diziam: “Esqueça essa página, vire-a de uma vez. Não entende que outras pessoas já a viraram? Nunca encontrará o verdadeiro sentido vendo esta folha todos os dias de seu futuro. Não a torne sua maldição, concentre-se em escrever outras melhores e a desvincule de seu livro!” Mas teimava em mantê-la aberta, respondia ao que achava insulto por parte de outros: “Deixe-me, este é meu passado, minha página, minha vida, meus amores e demônios. Pensa que não a quero virar? Pensa que não tentei? É só a paranóia que me impede, não acha isso muito pra um alguém como eu?” E lá continuava a página sendo analisada, por aquele escritor que resolveu mantê-la separado das outras do próprio livro, separou-a e a tornou em um livro de uma página. Mandou encadernar com capa dura. Mantinha-a mais viva que a própria vida existente no agora, mas ainda pode-se ver a intrínseca vontade e desejo de virá-la, ou melhor, rasga-la de vez em mil pedaços e colocar fogo naquele tanto de sangue, carne e suor passado, tudo unido naquela página 21 da vida do sujeito. O passado o impedia, havia duas esperanças; de destruir definitivamente aquele tormento; ou continuar exatamente de onde havia parado há anos atrás, uma ilusão sórdida e abastarda que inflava e nutria a loucura alheia. Cabeça dura! Façamos coro: “VIRA! VIRA! VIRA!” Quem sabe ele ouve o povo? Eu lá tenho minhas dúvidas, porque quem quer na vida se amargura!

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